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Corte de gastos: governo segue discutindo pacote nesta semana, em meio a pressão interna
Negociações entram na terceira semana, sem indicativo claro de anúncio. Medidas, que estão em estudo, ainda não foram detalhadas
O governo deve continuar as discussões sobre o pacote de corte de gastos nesta semana. Depois de passar o fim de semana em São Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, retorna a Brasília nesta segunda-feira (11) para dar início à terceira semana de tratativas do pacote.
Inicialmente, Haddad havia sinalizado que as medidas sairiam na última semana. Mas, depois de três reuniões com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o pacote ainda não foi anunciado.
Além disso, segundo o ministro da Fazenda, Lula queria apresentar as medidas aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O pacote contém medidas legislativas, que precisam de apoio para aprovação no Congresso.
Mas, com o falecimento de seu pai, o presidente do Senado viajou para Belo Horizonte (MG) na sexta-feira (9). Pacheco e Lira estarão em Brasília nesta segunda.
Pressão interna
O governo tem feito uma série de reuniões sobre o pacote necessário para manter o arcabouço fiscal — a regra das contas públicas — operante.
Haddad, que viajaria para a Europa na última semana, ficou no Brasil a pedido de Lula para avaliar as ações do governo frente ao momento de pressão inflacionária e alta do dólar.
A equipe econômica enfrenta resistência de ministros que comandam as pastas possivelmente afetadas.
No último dia 30, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou que não foi informado sobre qualquer mudança no seguro-desemprego, no abono salarial e na multa de 40% por demissão sem justa causa dos trabalhadores com o objetivo de cortar gastos públicos.
Marinho ainda ameaçou pedir demissão. "Se ninguém conversou comigo, não existe [debate sobre essas supostas mudanças]. Se eu sou responsável pelo Trabalho e Emprego. A não ser que o governo me demita", afirmou na ocasião.
O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, também disse que se demitiria, caso o governo corte benefícios em sua pasta. “Se isso acontecer, não tenho como ficar no governo”, afirmou em entrevista ao jornal “O Globo”.
Já o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, disparou mensagem a jornalistas afirmando que não seriam cortados benefícios de quem tem direito ao Bolsa Família e ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).
“Lula continua o mesmo, pela sua história de vida, total compromisso com os mais pobres e jamais aceitaria cortar um só benefício do Bolsa Família ou BPC ou qualquer benefício que preenche requisitos legais de uma pessoa ou família pobre!”, escreveu.
Cortes de gastos
A equipe econômica do governo tem se debruçado nas últimas semanas sobre uma agenda que vem sendo cobrada por investidores e setores da política desde o começo do governo do presidente Lula: o corte de gastos públicos.
Por enquanto, as medidas em estudo ainda não foram detalhadas, o que tem gerado nervosismo no mercado financeiro — com pressão sobre o dólar, queda da Bolsa de Valores e alta dos juros futuros.
Nos últimos dias, Haddad defendeu que entende a "inquietação" do mercado, mas acrescentou que o governo apresentará propostas para manter o arcabouço fiscal operante. A expectativa é que as medidas sejam apresentadas nas próximas semanas.
"A dinâmica das despesas obrigatórias tem que caber dentro do arcabouço. A ideia é fazer com que as partes não comprometam o todo que o arcabouço tem, a sustentabilidade de médio e longo prazo", declarou Haddad, na semana passada.
Economistas consideram a agenda de cortes de despesas importante para conter a dívida e evitar alta dos juros, que penalizam investimentos produtivos e o consumo da população. Por outro lado, um manifesto critica o mercado e as políticas de austeridade fiscal (veja abaixo nessa reportagem).
O que pode acontecer sem o corte de gastos?
A explicação de analistas é que, sem o corte de gastos obrigatórios (por meio do envio de propostas ao Congresso Nacional), o chamado "arcabouço fiscal", a nova regra para as contas públicas aprovada no ano passado pelo governo Lula, está em risco.
Isso porque o espaço para gastos livres dos ministérios, que englobam políticas públicas importantes, como bolsas de estudo, fiscalização ambiental e o "Farmácia Popular", por exemplo, está sendo comprimido (e pode acabar no futuro próximo) por despesas obrigatórias, como a Previdência Social.
E a previsão do Tribunal de Contas da União (TCU) é que, se nada for feito, o espaço para essas políticas importantes para a população, acabarão nos próximos anos, paralisando a máquina pública (veja abaixo).
O próprio Banco Central cita o aumento de gastos em seus comunicados, explicando que isso também pressiona a inflação.
Segundo a instituição, a "percepção mais recente dos agentes de mercado sobre o crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço fiscal vigente, junto com outros fatores, vem tendo impactos relevantes sobre os preços de ativos [dólar, juros futuros e bolsa de valores] e as expectativas [de inflação]".
Essa dúvida sobre as contas públicas, que está sendo chamada pelo mercado financeiro de "risco fiscal", já está cobrando seu preço, com alta do dólar e dos juros futuros.
Com o possível fim do arcabouço fiscal, explicam analistas, a pressão poderia ser maior ainda sobre os juros futuros, aqueles que servem de base para as operações dos bancos, o que resultaria em taxas mais elevadas para consumo e investimentos.
E juros mais altos, por sua vez, também piorariam as contas públicas, pois o Tesouro Nacional precisaria pagar taxas maiores na emissão de títulos públicos, a chamada rolagem da dívida.
O governo entraria no que os analistas chamam de um "ciclo vicioso", ou seja, paga juros maiores por conta da dívida alta, o que também elevaria ainda mais o endividamento - que já grande para o padrão de países emergentes.
Ajuste 'necessário e urgente'
De acordo com os economistas Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos, em análise contida no boletim Macro de outubro da FGV Ibre, o ajuste nas contas públicas é "necessário e urgente".
"Desde o final de 2022, o Brasil vem experimentando uma sensível deterioração fiscal, com forte aumento dos gastos e persistente elevação da dívida pública. Isso sem que sejam adotadas medidas capazes de dar resposta adequada aos riscos daí decorrentes", diz o boletim.
"Pelo contrário, o que se viu foram sucessivas propostas de mais e novos gastos, como se o problema não existisse", prosseguem os economistas.
Com a persistência do problema, eles avaliaram que o "risco fiscal" (relativo às contas) voltou ao centro das atenções dos agentes de mercado.
"E passou a fazer preço, como se diz, com a forte elevação da curva de juros e a desvalorização do real, mesmo com o ciclo monetário no Brasil [com alta de juros] indo na contramão do que se observa hoje nos EUA", afirmaram.
Afirmam que a "piora do humor internacional", com notícias negativas sobre as eleições nos Estados Unidos e sobre a economia chinesa, ajuda a explicar a piora na curva de juros e a alta do dólar.
Mas observaram que isso tem acontecido apesar de a agência de classificação de risco Moody’s ter elevado a nota de crédito soberano do Brasil (o que, em tese, deveria melhorar os indicadores).
"Mesmo com sinais de desaceleração do gasto e de menor estímulo fiscal, estamos vivenciando uma nova rodada de desconfiança dos agentes de mercado. Diversas manobras fiscais e a ausência de contenção de gastos abalam a credibilidade", dizem os analistas, no texto.
Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos, do FGV Ibre, concluíram que a "grande dúvida" é saber se haverá apoio político para tais medidas.
"Infelizmente, revisões sobre a regra de reajuste do salário-mínimo e a desvinculação das aposentadorias, pensões e BPC do mínimo foram descartadas. E essas são medidas que dariam um impacto relevante na trajetória de gastos ao longo do tempo. Resta saber o que de fato será apresentado e aceito do ponto de vista político", afirmaram.
Manifesto contra 'pacote antipopular'
Enquanto o corte de gastos não é detalhado pelo governo, um manifesto com nomes de acadêmicos, economistas, pesquisadores, comunicadores populares, sindicalistas e parlamentares foi lançado contra as "políticas de austeridade fiscal" do governo federal.
Entre eles, estão Vladimir Safatle, Ricardo Antunes, Lena Lavinas, Paulo Nakatani, ex-ministros como Roberto Amaral e José Gomes Temporão, além de parlamentares como Luiza Erundina, Sâmia Bomfim, Glauber Braga, Tarcísio Motta, Chico Alencar e Luciana Genro, presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
"Desde o início, o Novo Arcabouço Fiscal foi concebido para impor limites rígidos aos gastos sociais e aos investimentos públicos, enquanto protege as despesas financeiras, especialmente o pagamento de juros que beneficiam os grandes rentistas", diz o documento.
Segundo o manifesto divulgado, as medidas contam com o apoio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da "grande imprensa", que, diz o documento, "têm defendido abertamente que, para manter o arcabouço fiscal, é necessária uma redução estrutural dos direitos sociais".
"Nós, em contraste, defendemos que o Novo Arcabouço Fiscal seja alterado ou revogado para que os direitos sociais não apenas sejam preservados, mas também expandidos, garantindo a inclusão e a proteção da população mais vulnerável", concluem os signatários.
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